sobre desigualdades e «repartição de sacrifícios»
É maior o fosso entre<br>ricos e pobres
Jerónimo de Sousa acusou o primeiro-ministro de «insensibilidade social» e de desrespeitar os milhares de portugueses que foram violentamente atingidos nestes anos pela política do Governo.
O fosso entre ricos e pobres está ao pior nível dos últimos 30 anos
«É ofender esses milhares de portugueses que sofreram duramente os resultados desta política», invectivou o líder comunista, aludindo aos que sofreram o infortúnio do «desemprego, aos que viram as suas pensões e os seus salários, cortados ou congelados».
O Secretário-geral do PCP reagia assim no debate quinzenal de sexta-feira passada, 12, à afirmação proferida dias antes por Passos Coelho de que apesar da crise «quem se lixou não foi o mexilhão, foi quem tinha mais».
Repudiando tal declaração, Jerónimo de Sousa, depois de lembrar a existência em termos estatísticos de mais de 600 mil pobres, questionou-se sobre a «teoria do mexilhão» que vai na cabeça do responsável máximo do Governo, admitindo a seguinte hipótese: «quem era pobre, pobre ficou, e quem se lixou foram aqueles que não sendo pobres, passaram a ser».
«É destes que fala, senhor primeiro-ministro? Daqueles que caíram no desemprego? Dos que perderam o apoio social? Dos que tiveram de empenhar a sua casa? Daqueles que viram os seus salários penhorados devido às dificuldades? É destes que fala?», inquiriu Jerónimo de Sousa, antes de o instar a não ser «insensível», a «não fazer propaganda», nem «mentir assim» a quem «está a sofrer» em consequência desta política.
Política desastrosa
Passos Coelho, na resposta, justificou o recurso ao «adágio popular» alegando que pretendera apenas ilustrar que houve repartição dos sacrifícios e que «todos fomos chamados a contribuir». Considerou assim «falsa» a ideia de que «só uns é que pagaram a factura» e asseverou que a crise «não agravou as desigualdades» mas apenas o «risco de pobreza».
Teses que Jerónimo de Sousa desmontara já na sua primeira intervenção ao sublinhar que é a própria OCDE que veio revelar que o «fosso entre ricos e pobres está agora ao pior nível dos últimos 30 anos». Concretamente, que os «mais ricos ganham dez vezes mais do que os mais pobres».
Para o dirigente comunista não é igualmente correcto que seja invocado o argumento, como fez Passos Coelho, de que na Grécia se está pior. «Podemos sempre dizer que estamos melhor que o Biafra, mas é isso que o consola, senhor primeiro-ministro?», questionou o Secretário-geral do PCP, convicto de que nesta matéria, sem margem para dúvida, «quem se lixou foi quem menos tem e menos pode».
E mesmo aqueles que tinham uma vida remediada, centenas de milhares deles, hoje, observou, «estão a sofrer nas suas vidas as consequências desastrosas da política deste Governo».
Perito em propaganda
A repetida referência do primeiro-ministro à empregabilidade dos estágios profissionais, cuja taxa rondará nas suas contas os 70 por cento, foi prontamente contestada por Jerónimo de Sousa, que a encarou como mais um exercício de «mera propaganda».
Tais declarações assim devem ser consideradas, explicou, na medida em que o Governo ainda não deu qualquer informação concreta, passado que foi já mais de um mês, aos esclarecimentos pedidos pela bancada comunista quanto às listagens das empresas que procederam à contratação de jovens trabalhadores, dados discriminados por distrito e sector de actividade.
Enquanto não vier a resposta às questões solicitadas pelo PCP, ao abrigo de um direito constitucional e regimental, tudo o que o chefe do Executivo disser sobre o tema não passa de propaganda, sustentou o Secretário-geral do PCP.
Na resposta, Passos Coelho invocou o Instituto de Emprego e Formação Profissional, dizendo que os números por si referidos «são veiculados» por aquele organismo e estão «disponíveis». Negou ainda tê-los revelado com qualquer intuito de «propaganda», mas apenas com a intenção de «chamar a atenção para os aspectos positivos das políticas» do Governo.
«Se não quer a acusação, faça a demonstração», ripostou Jerónimo de Sousa, insistindo que é o Governo que está em «falta». Daí manter a «dúvida, a crítica e a acusação», enquanto o Governo não provar os factos e que as suas afirmações não são propaganda.
Sem brio patriótico
A justificar o questionamento de Jerónimo de Sousa neste último debate quinzenal do ano estiveram afirmações recentes do primeiro-ministro segundo as quais o Governo estaria a «libertar e a democratizar» o País, que este «estava aprisionado por grupos económicos», mas que «os donos do País estão a desaparecer».
«Como é possível tal afirmação de um Governo que não tem feito outra coisa que não seja entregar aos grupos económicos, aos grandes interesses, ao grande capital estrangeiro o domínio da economia portuguesa?», perguntou Jerónimo de Sousa, que se interrogou ainda sobre a credibilidade de uma tal afirmação vinda de um Governo que «perante o real perigo de ver desmantelada uma empresa estratégica para o País, como é o caso da PT, não mexe uma palha para defender e garantir o interesse nacional».
«Que credibilidade pode ter tal afirmação quando o Governo pretende entregar tudo, mas mesmo tudo o que resta de património público deste País ao estrangeiro, como acontece agora com a TAP e com a decisão da sua privatização?», insistiu o líder do PCP, para quem esta decisão constitui «um crime contra os interesses nacionais», além de ser reveladora da inexistência neste Governo de um «mínimo de brio patriótico».
Isto porque, explicou, a TAP é o maior exportador nacional, assegura milhares de postos de trabalho, faz entrar anualmente na Segurança Social mais de 100 milhões de euros, contribui com quase outro tanto para o Orçamento do Estado por via do IRS.
Mais, acrescentou, é «uma âncora para o sector do turismo, fundamental para garantir a unidade e mobilidade em todo o território nacional, essencial na ligação às comunidades portuguesas no estrangeiro, garante de capacidade de investigação, manutenção e desenvolvimento técnico no sector da aviação civil».
Jerónimo de Sousa não esqueceu igualmente os seus trabalhadores e quadros técnicos, que elevou à categoria de «capital ímpar».
Ora é tudo isto que o Governo finge ignorar, teimando em privatizar a TAP, o que levou Jerónimo de Sousa a concluir que «não são os donos que estão a desaparecer». O que está a desaparecer, acusou, «é o património público de todos os portugueses que é entregue de mão beijada aos grandes grupos económicos e ao estrangeiro».